Antecedentes
Quando Samuel Finley Breese Morse, em 1844, inventou o Código Internacional Morse, nunca imaginou o quanto era importante a sua invenção para a humanidade. Estava criada uma nova linguagem que atravessaria os séculos XIX e XX, sendo utilizada até os dias de hoje.
No Brasil, a 1ª ligação telegráfica ocorreu em 11 maio 1852, entre o Paço Imperial, na Quinta da Boa Vista (RJ), e o QG do Exército, no Campo de Santana (RJ), tendo como operadores pioneiros o Professor Guilherme Schuch Capanema e o Coronel Polidoro Quintanilha da Fonseca Jordão. Começavam os relevantes serviços da Telegrafia para o Exército Brasileiro e para o Brasil.
O marco inicial do emprego do Telégrafo elétrico em combate, foi no conflito travado na península da Criméia (Ucrânia), entre a Rússia e a coalizão liderada pela França e Inglaterra (1854-1856). Na Guerra do Paraguai, com a nomeação do Marquês de Caxias, como comandante em chefe brasileiro, em 10 outubro de 1866, uma das primeiras providências tomadas foi instituir um sistema telegráfico de campanha, o que viria facilitar a coordenação das Forças Aliadas nas manobras de HUMAITÁ e PIQUICIRI, que selou a sorte do ditador paraguaio.
A criação da Companhia de Telegrafistas Militares, em 1875, fazendo parte do Batalhão de Engenheiros, foi EMBRIÃO DA ARMA DE COMUNICAÇÕES. A importância da telegrafia nas 1ª e 2ª guerras mundiais foi tão grande que os serviços de inteligência dos aliados, alemães e japoneses trabalhavam 24 horas por dia procurando decifrar os “códigos” empregados na transmissão do código Morse.
Na revolução de 1964 (ou contra-revolução), considerando as dimensões do vasto território brasileiro e as dificuldades nas comunicações da época, os contatos em telegrafia e teletipo realizados pelos sargentos do então QRE (Quadro de Radiotelegrafistas do Exército) foram de vital importância para o Alto Comando alcançar os objetivos desejados, mantendo, além da integração, evitando uma luta fratricida, as ligações permanentes e seguras com todas as OM (Organizações Militares), inclusive isoladas, como os pelotões e destacamentos de fronteira.
Desenvolvimento
Apesar do avanço tecnológico, particularmente em Informática (computadores, internet, etc.), a telegrafia ainda hoje é utilizada entre radioamadores, e segundo pesquisas de países considerados de 1º mundo, o tráfego de mensagens em CW no leste europeu é muito grande, mostrando que essa modalidade de transmissão não foi abandonada por nações mais adiantadas tecnologicamente.
Os radioamadores exploram a telegrafia em contatos internacionais, facilitados pelo uso do código “Q”, tornando possível a comunicação em qualquer idioma. Nos recentes terremotos na Turquia e Índia, quando todos os meios de comunicações estavam prejudicados, os radioamadores, tanto em fonia como em telegrafia, lá estavam com pequenos geradores e baterias improvisadas ajudando os governos daqueles países no socorro e resgate das vítimas.
No editorial do Informativo nº 47 do PRC (Pioneiros Rádio Clube) de Recife, escrito pelo Radioamador PR7-OJ, resumimos o seguinte: “Na tragédia da Ásia, com o terrível maremoto que atingiu vários países logo após a passagem do TSUNAMI, as torres de
celulares, microondas, de televisão e de rádios comerciais estavam no chão, com as centrais de operações inundadas e sem antenas. Foram os radioamadores com seus SSB e CW que estabeleceram as primeiras ligações entre cidades e até países. Em algumas localidades como Nicobar e Andaman, foram os radioamadores que estavam fazendo uma expedição àquelas raríssimas ilhas, que estabeleceram comunicação entre as ilhas e a Índia. Trabalharam dias, com seus equipamentos e baterias, já que a ilha foi praticamente destruída e estava sem energia elétrica. Foram supridos com novas baterias pelo próprio Exército indiano, que reconheceu o relevante serviço prestado pelos radioamadores operando em SSB e Telegrafia (CW)”.
O editorial em referência faz alusão ao filme “Independence Day”, quando os satélites foram danificados pelos “ alienígenas ” e as comunicações só foram restabelecidas pelo “velho CW” (Código Morse). Também não podemos esquecer a tragédia do submarino nuclear russo, quando os tripulantes davam desesperadamente batidas interna e externamente no casco do navio tentando se comunicar em Código Morse.
Na Revista Eletrônica Popular (volume 125 – nº 1), na Seção dedicada aos apreciadores de CW, com o título “A TELEGRAFIA VAI LONGE!”, descrita pelos radioamadores PP5 AS/PP2 XX/Es 6VV, transcrevemos o seguinte: “Faz poucos dias que recebi um e-mail com a seguinte notícia: W4ZW copiou a palavra OMAHA (em Código Morse) de um beacom em 80 metros, que transmitia com 40 microwatts de potência, a 875 Km de distância. Realmente impressionante! Sabe o que são 40 microwatts? Um milliwatt é um milésimo de watt. Um microwatt é um milésimo de milliwatt ou um milionésimo de watt. Em primeiro lugar deve ter havido um bom receptor, com excelente sensibilidade de entrada. Em segundo lugar, deve ter havido uma excelente antena, bem sintonizada e com o mínimo de perdas. Em terceiro lugar não teria recebido nada se a transmissão não tivesse sido em CW (TELEGRAFIA).
Embora atualmente o GPS (Global Position System) seja amplamente utilizado, os radiofaróis/radiobalisas em todo mundo ainda orientam a navegação, em ondas longas, com 2 ou 3 letras de sinais telegráficos, recebidos por radiogoniômetros. Ex: IT (Ilha Trindade), IH (Ilha Rasa), CAX (Caxias), PP (Ponte Costa e Silva), etc.
Durante a operação combinada entre as Forças Armadas, polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, IBAMA, FUNAI e Ministério Público Federal, realizado em 2001, no Estado de Pernambuco (polígono da maconha), denominada Operação Mandacaru, o Centro de Comunicações da operação tanto operava em fonia como em telegrafia.
Atualmente, o emprego do telegrafista nas operações de selva, tem sido uma constante por parte do Cmdo da 12ª RM (Manaus-AM), tendo em vista as dificuldades de comunicações naquela área. Transcrevemos abaixo a experiência do Subtenente Radiotelegrafista Mascarello em missão (anos 2002-2003) de selva:
“A experiência por nós vivida foi no emprego do conjunto rádio Yaesu FT600, um transceptor com potência de saída de 10 watts. Inicialmente a unidade de fronteira a qual pertencia 2ª Cia Fzo SL, localizada na linha de fronteira com a Bolívia e o Peru, que é subordinada ao 4º BIS, localizado em Rio Brando-AC, executava missões de patrulhamento na linha de fronteira, e naquela oportunidade todos os equipamentos rádios disponíveis não estavam em condições de uso.
Partimos então para improvisação utilizando o rádio Yaesu com uma fonte de alimentação de uma bateria de moto de aproximadamente 12 volts. O material é destinado para ficar em uma bancada com ar condicionado e iria para uma missão de selva. Fizemos uma preparação do material em uma mochila com isopor e carregamos duas baterias de moto e mais a antena, uma dipolo (bipolar) dividindo assim o material entre os integrantes da patrulha.
Nossa autonomia para contatos com a base para o monitoramento da patrulha era de aproximadamente 30 (trinta) contatos de 01 (um) minuto, isto é, 30 (trinta) minutos reais para uma semana de deslocamento onde tudo pode acontecer e é imprescindível o resgate de feridos ou mortos e tudo mais uma vez dependia da telegrafia. Na prática foi tudo mais difícil ainda, pois andando o dia todo fazendo os contatos e montando a base para dormir, a rotina diária foi desgastante, mas obtivemos êxito, pois com o binômio telegrafia e a utilização de códigos para diminuir o tamanho das mensagens conseguimos ampliar o número de contatos, pois economizamos bateria e tivemos a autonomia para a transmissão das mensagens. Tudo foi relatado e passado para o papel.
Atualmente, em qualquer missão na Amazônia, o telegrafista continua sendo empregado e quando nada mais falar ou sofrer interferência por parte de guerra eletrônica, a telegrafia, com baixa potência para transmitir e receber mensagens a longa distância, ainda é a melhor opção para o êxito da missão, com segurança.”
Alguns Oficiais das Nações Amigas (ONA), em visita à Escola de Comunicações, particularmente a Sala de Telegrafia, demonstraram conhecimento do Código Morse, especialmente o representante francês que além de transmitir em CW, admitiu que o Exercito Francês usa a telegrafia como alternativa nas comunicações.
Temos conhecimento que tropas de Forças Especiais (Comandos) de países com tecnologia avançada utilizam a telegrafia em operações com mensagens pré-estabelecidas. Considerando os radioamadores brasileiros reserva das forças armadas, o Exército, por intermédio da Escola de Comunicações, realiza anualmente na semana que comemora o “DIA DO SOLDADO” (25 de agosto), o tradicional CONCURSO VERDE AMARELO (CVA), tendo como principal finalidade promover o congraçamento entre civis e militares.
O CVA é de âmbito nacional e a participação dos radioamadores individualmente, nos clubes, agremiações ou nas estações militares é bastante competitiva tanto em fonia como em grafia (CW), tendo ambas as modalidades 24 horas ininterruptas de contatos.
O CIGE (Centro Integrado de Guerra Eletrônica), ratificando a importância da telegrafia na Guerra Eletrônica moderna, já cogitou, pelo então Cel HUMBERTO JOSÉ CORRÊA DE OLIVEIRA, o estudo da telegrafia entre seus oficiais, visando a identificação dos sinais telegráficos.
No âmbito do Exército Brasileiro, os Centros de Telemática de Área têm a responsabilidade pela manutenção ininterrupta das comunicações dos Comandos Militares em todo território nacional (inclusive as Unidades de fronteiras) e, para tanto, a Escola de Comunicações continua especializando combatentes de comunicações em telegrafia para sua Rede Rádio Fixa. Esses operadores, além da prioridade na transmissão de dados via HF, têm no Código Morse uma alternativa para que não haja solução de continuidade no fluxo de mensagens.
Na virada do ano 1999 para 2000, no famoso “Bug do Milênio”, a preocupação com aparelhos computadorizados, levou as autoridades civis e militares a se precaverem de qualquer anormalidade adotando medidas de segurança nas comunicações, entre as quais a telegrafia estava incluída.
Conclusão
Modernamente, com o advento da Guerra Eletrônica, o conhecimento do Código Morse cresce de importância, pois além de ser um sinal inteligível em ambiente de interferência, é um dos mais baratos para comunicações em ambiente hostil. Por tudo isso, acreditamos que a Telegrafia é uma alternativa para as nossas comunicações e uma forma de comunicação confiável em ambiente de selva.
Ilson de Oliveira Fontes – 1º Ten - PY1EGK
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